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No ordenamento jurídico português

In document ISABEL HARRIET GOURGEL GAVIÃO (sider 100-104)

Parte IV – Considerações Finais

IV.2 Contributos para um melhor tratamento da questão da violência

IV.2.1 No ordenamento jurídico português

população diz respeito. O quadro ideológico de obediência e submissão (da mulher ao marido), ou de “complementaridade”, na sua versão mais moderna, torna difícil o rompimento com tradições de posse, poder e parcial legitimação da violência”179.

IV.2. Contributos para um melhor tratamento da questão da violência conjugal em Angola

IV.2.1. No ordenamento jurídico português

Só recentemente é que Angola se debruçou efetivamente sobre a problemática da violência doméstica, principalmente com o surgimento da Lei Contra a Violência Doméstica aprovada em 2011. Portanto, há bem pouco tempo a violência doméstica não era considerada um crime.

Estando este país numa fase inicial no que diz respeito ao tratamento deste fenómeno cumpre-nos, neste capítulo, dar conta de alguns instrumentos que podemos verificar em outros países e que podem contribuir para apresentar mais e melhores soluções para o problema.

Começaremos por referir alguns instrumentos que podemos encontrar a nível do ordenamento jurídico português, nomeadamente no que diz respeito à Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das suas vítimas.

Quanto à referida lei, podemos começar pelo artigo 25º, referente ao

“acesso ao direito” e que garante “à vítima, com prontidão180, consulta jurídica a efetuar por advogado, bem como a célere e sequente181 concessão de apoio judiciário, com natureza urgente (...)”. Antes de mais é preciso esclarecer que as vítimas de violência conjugal, em Angola, têm direito ao apoio jurídico

                                                                                                               

179  Ibidem.

180  Itálico nosso.

181  Itálico nosso.  

devido182. O que para nós é aqui relevante é a questão da prontidão e celeridade relativamente a este apoio. O que nos chama a atenção é o facto, anteriormente referido, de que por vezes o processo para a obtenção do apoio jurídico e judiciário se revele um tanto moroso. Como referimos a propósito dos Centros de Aconselhamento Familiar do MINFAMU, são muitas vezes as próprias vítimas que têm que levar a cabo os procedimentos para que lhes seja atribuído um advogado, o que pode demorar significativamente, pois nem todas as instituições públicas estão preparadas para lidar com a urgência deste tipo de casos. Deste modo, é preciso que o Estado preveja uma forma deste processo ser o mais célere possível. Uma dessas formas poderá ser a integração, em parceria, da Administração Local na Rede Mulher Angola da qual, para além da OMA e do MINFAMU, fazem parte outras organizações de mulheres. Desta forma, nas situações em que as vítimas precisem de algum documento, nomeadamente do Atestado de Pobreza que é necessário para a obtenção de defensor público, o processo seria mais célere. Para além disso, a própria Administração Local poderia, no âmbito das suas competências e atribuições, divulgar a existência dos centros de aconselhamento nas respetivas áreas territoriais, tal como está previsto no artigo 55º da Lei nº 112/2009.

Outro instrumento que nos parece importante é o que está previsto no artigo 32º da referida lei. Trata-se do recurso à videoconferência ou à teleconferência aquando da prestação dos depoimentos da vítima, se o tribunal, a requerimento da mesma, o entender necessário. O recurso a estes instrumentos permite que os depoimentos ocorram sem constrangimentos, pois, por vezes, a vítima pode não se sentir confortável em prestar declarações na presença do agressor ou também o seu estado de saúde pode não o permitir.

As declarações para memória futura previstas no artigo 33º da Lei nº 112/2009 – que se traduzem na possibilidade de, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, o juiz proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta                                                                                                                

182  Lei nº 25/2011, artigo 17º.

 

no julgamento – são também um instrumento importante dado que permite, entre outras coisas, evitar a revitimação da vítima.

Outro contributo para o melhor tratamento da questão da violência conjugal em Angola diz respeito à “tutela social” prevista na secção III da lei em apreço. Com efeito o artigo 41º prevê a cooperação das entidades empregadoras relativamente a esta matéria, tendo em vista, sempre que a dimensão e a natureza da entidade empregadora o permitam, considerar de forma prioritária o pedido de mudança do trabalhador a tempo completo que seja vítima de violência doméstica para um trabalho a tempo parcial ou o pedido de mudança do trabalhador a tempo parcial para um trabalho a tempo completo ou de aumento do seu tempo de trabalho. O artigo 42º vem também prever a transferência do trabalhador, vítima de violência doméstica, para outro estabelecimento da empresa desde que preenchidos os respetivos requisitos. A possibilidade de alteração do tempo de trabalho e de transferência para outro local de trabalho torna-se relevante, principalmente, no caso de vítimas que sofrem perseguições e ameaças por parte do agressor. Assim, este último terá menos hipóteses de controlar a vida das vítimas.

Também importante é a questão da transferência escolar dos filhos menores das vítimas para os estabelecimentos de ensino perto da área territorial onde se situa a casa de abrigo183. É preciso que as crianças não saiam mais prejudicadas ainda deste tipo de situação.

Por último, cumpre-nos destacar um organismo de grande importância para o combate à violência doméstica em Portugal. Trata-se do Grupo Violência que se funda na colaboração e articulação, em rede, de várias entidades que se enquadram em três vértices: a Justiça, a Saúde e esfera Social.

“Para além de todo o trabalho desenvolvido pelo Grupo, enquanto tal, e expresso em diversas ações de divulgação e discussão, esta rede permitiu também que todas as entidades se articulassem e                                                                                                                

183  Lei nº 112/2009, artigo 74º.

coordenassem, obtendo resultados e ganhos que estão muito para além da mera soma das partes.

Da troca de experiências que a rede permite, é possível confrontar perspetivas de um mesmo problema, o que leva a um conhecimento mútuo aprofundado, de onde resultarão soluções alternativas e complementares que se traduzirão em ganhos efetivos e reais no combate a esta criminalidade.

Neste momento cada um conhece o outro e sabe o que tem a esperar desse outro. Sabe o quando notificar, encaminhar, intervir. A angústia da solidão e de alguma impotência, tende a ser ultrapassada.

Porque, para um problema, poderá haver desde logo uma resposta na rede. E para isso é necessário que a rede seja dinâmica, que todos se articulem com todos”184.

De facto, esta articulação em rede parece-nos ser a forma mais adequada para se intervir no âmbito deste tipo de violência. Um fenómeno complexo como é a violência conjugal, em particular, e a violência doméstica, em geral, merece um tratamento das mais variadas áreas, mas não um tratamento individual. Deverá ser um tratamento em conjunto pois, só assim se poderá ter uma visão multifacetada do fenómeno, permitindo-se encontrar a melhor solução para cada caso.

Tendo a consciência de que possam existir outros instrumentos igualmente importantes no combate à violência conjugal, resolvemos apresentar aqui aqueles que nos parecem poder ser implementados num futuro próximo. Quanto à intervenção em rede, tal como foi apresentada, talvez possa levar um pouco mais de tempo até ser implementada, tendo como um dos principais obstáculos a extensão do território.

                                                                                                               

184  MARIA PAULA GARCIA – Violência Doméstica/Familiar: Enquadramento Judicial – da legislação à intervenção, disponível na Internet em www.violencia.online.pt/artigos/show.htm?idartigo=454.

 

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