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No ordenamento jurídico espanhol

In document ISABEL HARRIET GOURGEL GAVIÃO (sider 104-115)

Parte IV – Considerações Finais

IV.2 Contributos para um melhor tratamento da questão da violência

IV.2.2 No ordenamento jurídico espanhol

IV.2.2. No ordenamento jurídico espanhol

Também em Espanha tem-se implementado um conjunto de medidas que passam por várias áreas e que têm como finalidade não só combater a violência doméstica como também a discriminação em razão do género185. Na verdade, neste país, no caso de violência doméstica “a vítima é sempre (e só) uma mulher”186.

Pretendemos destacar no ordenamento jurídico espanhol a “chamada

“ordem de proteção”, que se traduz numa intervenção rápida e completa tendente a proteger a vítima, pois em 72 horas após a apresentação do pedido, o juiz marca uma audiência urgente, em que estarão presentes a vítima ou o seu representante, o Ministério Público, o agressor e respetivo advogado, podendo o juiz escolher as medidas que considere mais adequadas ao caso”187. Essas medidas poderão ser de cariz penal, não sendo diferentes daquelas que são aplicadas tanto em Portugal como em Angola – “privação da liberdade, ordem de afastamento, proibição de contacto com a vítima, proibição de regressar a casa da vítima ou do casal, apreensão de armas ou objetos perigosos que tenham sido ou possam ser utilizados em agressões”188. A novidade é relativamente às medidas às medidas de cariz civil que serão tomadas na mesma audiência. Tais medidas traduzem-se, nomeadamente, na atribuição do uso da casa de morada de família, no regime de guarda e de visitas dos filhos e no regime de prestação de alimentos189. “Com esta medida o juiz resolve muitos dos problemas práticos com que a vítima se depara, ou seja, procura não só por termo à violência, atuando sobre o agressor, como também regular

                                                                                                               

185  Neste sentido CRISTINA CARDOSO, ob. cit., p. 14.

186  JOSÉ FRANCISCO MOREIRA DAS NEVES – “Violência Doméstica – Bem Jurídico e Boas Práticas”, Revista CEJ, nº 13, 1º Semestre, 2010, p. 48.

187  CRISTINA CARDOSO, ob. cit., p. 14.

188  Ibidem.

189  Ibidem.

aspetos práticos relacionados com os filhos, com o alojamento e subsistência da vítima”190.

O facto de o juiz poder tomar todas estas medidas numa só audiência vai também permitir que a vítima não tenha que se encontrar outras vezes com o agressor para a resolução de todas aquelas questões, o que também contribui para o bem estar e proteção da mesma.

Mais uma vez podemos perceber que o combate a este tipo de violência não passa apenas pelo direito penal. É preciso que a resposta a este fenómeno seja dada de forma transversal e abrangente191 de modo que se coadune com a complexidade do mesmo.

                                                                                                               

190  Ibidem.

191  Neste sentido, CRISTINA CARDOSO, ob. cit., p. 15.

 

Conclusão

O que pretendemos com esta dissertação foi apresentar uma visão geral do problema da violência conjugal em Angola, não deixando de fazer alusão à violência doméstica em geral, na qual aquela se insere. Pretendemos também demonstrar qual a relação que existe entre a violência conjugal e o estatuto da mulher na sociedade pois, apesar da violência conjugal não se traduzir apenas numa questão de género, pensamos ser importante expor os entraves que se apresentam à evolução desse estatuto, bem visíveis na sociedade angolana.

Sendo assim vimos que a violência conjugal pode traduzir-se numa ação ou omissão perpetrada por um cônjuge contra o outro (ou entre ambos reciprocamente), podendo ter como resultado lesões físicas e psicológicas permanentes ou temporárias.

Vimos também que estamos perante um fenómeno cíclico que está aliado a fatores sociais, económicos, políticos e culturais. Estes fatores quando interagem uns com os outros podem contribuir para o surgimento e perpetuação da violência.

Tivemos também oportunidade de constatar que a violência conjugal afeta de forma negativa não só as vítimas como também o agressor, a sociedade e outros membros da família, nomeadamente os filhos do casal, surgindo assim o problema da exposição à violência interparental. Concluímos assim que as crianças que assistem à violência entre os progenitores são também vítimas de violência doméstica.

Apesar de a violência conjugal não ser praticada apenas contra as mulheres, foi possível verificar que na maioria das vezes é isso que acontece.

Deste modo, para além de todos os fatores que podem estar associados a este tipo de violência, não podemos deixar de dizer que, em Angola, os fatores culturais têm um grande impacto relativamente a esta temática, dado que o

poder tradicional e o direito consuetudinário contribuíram também para a construção de estereótipos relativos ao género que se perpetuam até à atualidade. Com efeito, aquando da análise da violência conjugal no direito costumeiro, verificamos que existem normas costumeiras e práticas tradicionais que não se coadunam com os direitos e princípios constitucionais referentes à pessoa humana. Contudo, é preciso dizer que também foi possível fazer um paralelismo com o direito estadual na medida em que certos comportamentos são considerados violência conjugal por ambos, como por exemplo a agressão física e o abandono de lar, apesar das ressalvas apresentadas192.

É neste contexto que se coloca a questão relativamente à possibilidade ou não de coabitação do direito estadual com o direito costumeiro. Concluímos que tanto um como o outro não se podem ignorar, dado que é ponto assente que Angola apresenta uma Ordem Jurídica Plural, nela se inserindo a ordem jurídica estadual e a ordem jurídica tradicional. Deste modo, tem que haver uma adaptação recíproca entre aqueles dois direitos, sendo fundamental que os mesmos tenham como fio condutor para as suas normas, a pessoa humana com todos os direitos e deveres que lhe assistem.

Nos últimos anos, o Estado angolano tem vindo a intervir em matéria de violência doméstica. A legitimidade para esta intervenção verifica-se a nível constitucional, com a consagração dos direitos, liberdades e garantias dos cônjuges enquanto cidadãos e seres humanos, bem como a nível internacional, através da transposição para a ordem jurídica nacional de acordos e convenções que se debruçam não só sobre aqueles direitos, como também sobre a própria questão da violência conjugal no âmbito geral da violência contra as mulheres.

Duas das formas de intervenção do Estado nesta matéria são a intervenção preventiva primária e a intervenção preventiva secundária. A primeira visa uma atuação na área da prevenção mediante a sensibilização, informação e educação por forma a que se evite o surgimento de novos casos de violência. A segunda insere-se num momento pós-conflitual, visando                                                                                                                

192 Vide o que foi dito a respeito no ponto II.2.4, pp. 37-38.

 

proteger a vítima e punir os comportamentos que configuram o crime de violência doméstica.

Relativamente a esta última, o Estado tem intervindo através da aplicação da Lei Contra a Violência Doméstica (Lei nº 25/11), sem prejuízo de outras normas constantes do Código Penal e do Código do Processo Penal. Tal lei vem apresentar o regime jurídico de prevenção da violência doméstica, de proteção e assistência às vítimas193.

Para além dos organismos estaduais, como os órgãos de polícia criminal, o Ministério público e os tribunais, existem outras entidades a nível do Estado que têm uma participação ativa no que à violência conjugal diz respeito. Neste âmbito destacam-se a OMA e o MINFAMU que atuam não só no plano da prevenção como também na resolução de casos concretos de violência.

Concluímos, neste âmbito, que o problema da violência doméstica, pelo menos formalmente, tem vindo a ser devidamente tratado. No entanto, na prática o problema está longe de ser atenuado, uma vez que se continua a verificar um número elevado de casos.

Isto acontece pelos mais variados motivos, entre outros, o facto de existirem falhas no plano da prevenção, o facto de não se verificar uma aplicação eficaz da legislação existente e o facto de existirem entraves a nível da investigação criminal, desde logo porque estamos perante um crime que ocorre no âmbito das relações familiares, o que traz certos constrangimentos como, por exemplo, a escassez de testemunhas, o facto de a própria vítima se sentir com medo, vergonha, culpa e não ter certeza de como agir.

Desta forma, é preciso que se analise toda a atuação do Estado e da própria sociedade civil em torno deste fenómeno para que se perceba que outras medidas devem ser aplicadas, que medidas não têm tido uma aplicabilidade efetiva e quais são os obstáculos que se colocam à aplicação das mesmas. É preciso também que as várias áreas que atravessem este problema –                                                                                                                

193 Lei nº 25/11, artigo 1º.

Psicologia, Sociologia, Medicina, Direito, Economia – se unam de forma a que se consiga obter um estudo mais completo e aprofundado sobre o mesmo.

Outro aspeto também importante no que à violência conjugal diz respeito passa pelo comprometimento da sociedade por esta causa. É preciso que as pessoas sejam solidárias e se entreguem verdadeiramente ao combate a este tipo de violência. Quando falamos em solidariedade não nos estamos a referir apenas às vítimas, mas também solidariedade para com quem dedica o seu tempo a tentar atenuar este problema. Não basta que nos horrorizemos com os casos que ouvimos na televisão ou que lemos numa decisão do tribunal. É preciso por em prática essa solidariedade e o nosso lar é o local por excelência para o fazermos. É o local onde pais e filhos podem falar sobre os problemas que afetam a sociedade, é local onde podemos ensinar às novas gerações que mulheres e homens são iguais; que podemos ensinar aos jovens rapazes que “só é possível chamar a atenção para as questões de género e reforçar o apoio a favor da mudança social, se os homens e os rapazes se envolverem, por exemplo, em medidas que visem eliminar a violência contra as mulheres e superar os estereótipos”194; que não cabe apenas às mulheres a responsabilidade pela maior parte do trabalho doméstico e que esta “partilha desigual das responsabilidades tem um impacto negativo nas suas oportunidades nos domínios da educação e do emprego e limita a sua participação na vida pública”195; que “a visão estereotípica dos homens como responsáveis pelo sustento da família limita a sua participação na vida familiar”196; que a tradição e a cultura apesar de terem uma grande importância para o país e para o seu povo não podem servir de justificação para se desrespeitar a pessoa humana;

que devemos dizer não à violência e; que devemos considerar os outros como nos consideramos a nós próprios.

                                                                                                               

194  Declaração e Plataforma de Ação de Beijing – quinze anos após a sua adoção, Departamento de

Informação das Nações Unidas, DPI/2552A, Fevereiro de 2010, disponível na Internet em www.unric.org/pt .

195  Ibidem.

196  Ibidem.

 

 

Quando houver, efetivamente, predisposição humana para se transmitir e fomentar estas ideias, pode ser que daqui a cinquenta ou cem anos as coisas sejam um pouco diferentes.

Bibliografia

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ANEXOS

                                 

 

ÍNDICE

Introdução...9

Parte I – Enquadramento Social, Cultural e Económico I.1 Enquadramento Social, Cultural e Económico...12

Parte II – A Violência Doméstica no Seio da Relação Conjugal em Angola II.1 A Violência Doméstica...20

II.2 A Violência Conjugal...21

II.2.1 A mulher enquanto vítima...25

II.2.2 Fatores que podem contribuir para a violência conjugal...27

II.2.3 Efeitos da violência conjugal...37

II.2.3.1 Exposição à violência interparental...38

II.2.4 A violência conjugal no direito costumeiro: compatibilidades e incompatibilidades com o direito estadual...44

II.2.4.1 Considerações acerca da violência conjugal no direito costumeiro...56

Parte III – A Intervenção do Estado na Questão da Violência Conjugal III.1 A legitimidade da intervenção do Estado...62

III.1.1 Na Constituição da República de Angola...62

III.1.2 No Direito Internacional...65

III.2 Espécies de intervenção do Estado...70

III.2.1 Intervenção preventiva primária...70

III.2.2 Intervenção preventiva secundária...73

III.2.2.1 Ilícitos penais aos quais se podia subsumir a violência doméstica antes da entrada em vigor da Lei nº 25/11, de 14 de Julho...73

III.2.2.2 A Lei nº 25/11 – Lei Contra a Violência Doméstica...74

III.2.2.2.1 O bem jurídico protegido, o tipo objetivo e o tipo subjetivo...76

III.2.2.2.2 O procedimento criminal...78

III.2.2.2.3 A desistência e os crimes que não admitem desistência em matéria de violência doméstica...81

III.2.2.2.4 As penas aplicáveis aos crimes que configuram violência doméstica e o dever de indemnização imputável ao agente...85

III.2.2.2.5 Outras medidas de proteção da vítima...86

III.2.2.2.6 Encontros Reconciliatórios...87

III.3 O papel desempenhado pela OMA e pelo MINFAMU no âmbito da violência doméstica/conjugal e dos direitos da mulher em geral...90

III.3.1 A OMA – Organização da Mulher Angolana...90

III.3.2 MINFAMU – Ministério da Família e Promoção da Mulher...92

Parte IV – Considerações Finais IV.1 A violência doméstica no seio da relação conjugal e a sua relação com o estatuto da mulher na sociedade...96

IV.2 Contributos para um melhor tratamento da questão da violência conjugal em Angola...100

IV.2.1 No ordenamento jurídico português...100

IV.2.2 No ordenamento jurídico espanhol...104

Conclusão...106

Bibliografia...111

Anexos...113

In document ISABEL HARRIET GOURGEL GAVIÃO (sider 104-115)